Dona Chica (parte III)
Surpreendentemente, me senti a vontade naquele inicio de café
da tarde com Dona Chica como se fossemos amigas de longas datas e começamos a
comer as guloseimas eu, Duda e dona Chica, em um silêncio onde se era possível ouvir
o mascar de todas as bocas, mas logo foi quebrado por dona Chica, que se
mostrava um pouco ansiosa:
-Bem minhas queridas, agora que já comemos um pouco e
abastecemos nossa barriga a ponto de que ela nos permita pensar, enquanto
degustamos podemos começar por esclarecer algumas coisas.
-Clara dona Chica! Eu comecei dizendo querendo logo desfazer
qualquer que fosse o mal entendido, que eu e Duda possamos ter criado, para nós
e para dona Chica.
- Pois bem, gostaria que vocês permitissem que eu começasse
a falar primeiro, não por ser a mais velha aqui, mas porque me sinto em demasia
com direitos- dona Chica usava umas expressões difíceis, era preciso estar
atenta, para entender o que ela as vezes queria dizer- Pois então, há alguns
meses venho notado um interesse muito grande da parte de vocês aqui,
relacionado com minha casa, e parece-me até com minha vida, o que é normal,
porque sou uma pessoa muito sozinha e quieta, e por isso também não entendo o
que desperta tanta curiosidade em duas mocinhas lindas como vocês que
certamente devem ter muito o que fazer da vida, além de cuidar da vida da ‘’velha’’
esquisita que mora do outro lado da rua!
Corada eu estava e a Duda já havia passado desse ponto
resolvi começar:
-Olha dona Chica, a senhora tem toda razão, por muitas
vezes, ficamos de la a olhar e pensar e debater sobre sua vida, por pura
curiosidade, também eu confesso, mas não é por maldade, apenas curiosidade,
porque nunca vimos ninguém vir aqui, e também vimos a senhora raramente sair, e
nunca até então havia esboçado nenhuma reação que não fosse a um simples
cumprimento!
-E a senhora há de convir que é um pouco estranho seu modo
de vida né- A Duda falou assim quase que me interrompendo, e eu olhei para ela
como quem dissesse:’’melhor eu falar’, ao que vi que ela compreendeu de
imediato ficando calada e enchendo sua boca, com um bom bocado de bolo, Jesus
achei que ela ia engasgar!
-Eu entendo meninas!dona Chica disse de modo calmo e
compreensivo- entendo sim! Mas não compreendo, porque com as modernidades de
hoje, há de se ter coisas mais importantes, mas por outro lado ficava feliz por
ter uma certa atenção, de algum modo, e vou aqui já esclarecer, o porque de
minha vida ‘’diferente’’....
...Pois bem me deixe começar do inicio, casei muito jovem eu
tinha apenas 16 anos, mas era a única forma de buscar uma vida melhor, meus
pais com pouca estrutura não dava conta de cuidar de seus 12 filhos e sendo eu
a caçula, já tendo pais mais velhos, quase idosos, o casamento foi a saída perfeita
naquela época.
Casei-me com o Chico, vejam só eu me chamo Francisca, e meu
marido se chamava ou chama-se ainda não sei se vivo ou morto, Francisco, éramos
um casal de ‘’chicos’’. Ele foi o primeiro e único amor de minha vida, não
casei só para fugir da vida que levava, mas também porque o amava, fugimos logo
depois que ele serviu ao serviço militar ele tinha 19 anos na época, os pais
dele deram a ele um bom dinheiro para que começássemos nossa vida aqui na
cidade grande, e viemos os dois parar aqui. Casamos-nos como manda o figurino,
mas eu era muito jovem, e por isso demorei uns anos até que viesse minha
primeira e única filha Lara, que vocês com certeza devem ter visto nas fotos da
sala.
O fato é que meu casamento durou 20 anos, tempo suficiente
para que fizéssemos nossa vida aqui, logo arrumei um emprego e o Chico também.
Quando eu fiz 36 anos de idade e Lara tinha 16 anos, Chico
nos deixou, foi embora, e levou com ele parte da economia que fizemos juntos,
ele só não contava que eu tinha a minha própria economia, isso eu aprendi com
minha mãe, que mesmo já velha e com muito pouco me ensinou que nunca devíamos confiar
100% só no próximo que eu deveria ter confiança 100% em mim, e nisso se encaixa
tudo, bem Chico nos deixou, Lara na adolescência não entendeu muito bem, e a saída
foi intercâmbio do qual ela nunca mais voltou, a não ser claro a passeio, mora
la no Havaí, de onde vocês viram as fotos, dos meu netos na praia e eu....sim
eu vou ao Havaí, pelo menos uma vez ao ano(Dona Chica deve ter percebido nossa
cara de espanto, ela se explicou e continuou), e eu depois de ficar sozinha, me
fechei, e fui ficando, trabalhava muito,
saia muito cedo, e voltava muito tarde,e fui ficando, sem conversar com ninguém,
porque tempo não me sobrava e quando sobrava eu necessitava de descanso, e ai hoje vejo que as pessoas andam na mesma
correria que eu e até mais, preferi ficar assim na minha, manter minha casa que
pagamos com tanto esforço, e que da época de Chico foi tudo que restou, ouvi
dizer que ele fez outra família, mas no fundo não sei o que aconteceu, eu moro
aqui nesta mesma casa a 70 anos, eu tenho 86 anos, e tenho o suficiente para
uma vida digna, falo com meus netos pela internet, e faço minhas próprias
coisas, pois isso me mantém lúcida, e muitas das coisas que vocês não vem, porque
como todo idoso, gosto de levantar cedo e adiantar meus afazeres, bem acho que
é isso...
Ficamos assim, olhando apenas pra dona Chica enquanto ela ia
nos contando sua vida e as coisas começaram a fazer sentido para nós.
Desculpamos-nos, e contamos a ela o que achávamos e a surpresa
que foi ver como era a casa dela realmente, contamos as coisas horríveis das
quais pensamos e nos desculpamos mais uma vez, quando demos conta já havíamos passado
mais de duas horas entre papos, risadas, e muita coisa sendo dita, ao que eu
achei melhor nos despedirmos de dona Chica.
-Dona Chica, mais uma vez nos desculpe por toda intromissão,
e muito obrigada por compartilhar conosco a sua historia e esse café da tarde
maravilhoso!Eu realmente estava feliz com tudo, com aquele dia.
-Faço as palavras da Ana ,as minhas dona Chica- foi tudo que
a Duda conseguiu dizer.
-Eu quem agradece meninas, foi ótimo ter uma companhia para variar,
e seria ótimo receber vocês sempre para um café, ha outras coisas que temos que
conversar, e quando quiserem ouvir uma historia de uma velha maluca e sozinha,
podem aparecer, prometo que não vou fazer picadinho de vocês!
Bem vocês perceberam que dona Chica tinha aquele jeito, porque
já havia sofrido bastante, longe de todos de sua família, pais e irmãos que
nunca mais viu, tudo o que tinha era o marido e a filha, o marido largando dela
e a filha indo embora, ela ficou sozinha e por assim permaneceu até aquela
tarde, porque depois ficamos amigas de dona Chica, eu e Duda a surpreendemos
algumas vezes levando uma cesta de pic nic com algumas guloseimas para nosso
café da tarde que acontecia pelo menos 3 vezes na semana, levamos um bolo de
aniversario para ela, e nossos pais é que começaram a achar estranho a amizade
de duas garotas com uma senhora, mal entendido que foi logo colocado de fora
quando eles entenderam que ali era uma amizade real divertida e me concedia a
avó que nem eu e Duda tínhamos.
Dona Chica nos mostrava os netos pelo skype, e nos trouxe
lembranças do Havaí quando foi visitar os netos no fim daquele ano, pra falar a
verdade sentimos falta dos nossos cafés da tarde, que voltaram a ser frequente
tão logo o ano começou e voltamos todos de férias, eu só ficava mesmo a pensar
como seria quando as responsabilidades da vida começassem a nos chamar e nós
não tivéssemos mais tanto tempo com dona Chica, aprendemos a ama-la de uma
forma como nunca imaginamos.
Ela era uma excelente amiga, nos dava bons conselhos e fazia
nos rir,e com certeza levamos também um pouco de alegria para a senhora que
sozinha permaneceu por muito tempo de sua vida.
As nossas melhores tardes sem duvida era com dona Chica!
Um texto mega bem escrito, uma boa história de vida, que nos prende, do princípio ao fim. Felizmente, k vai continuando a haver "Donas Chicas", por aí, fazendo a felicidade de muita gente.
ResponderExcluirRecordar é sempre bom. Parece k voltamos a viver o acontecimento.
Boa semana, e agradeço sua visita e comentário.
Beijos.
Já li e gostei!
ResponderExcluirAgradeço a visita lá ao meu espaço e o comentário carinhoso!
Espero voltar a ver-te mais vezes!
Entretanto, por aqui irei lendo tudo.
Beijinhos